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O VINHO E SUA ARTE

  • Foto do escritor: Luís Gustavo Bassani
    Luís Gustavo Bassani
  • há 1 dia
  • 6 min de leitura

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A estética é a ciência filosófica da arte e do belo. O termo – estética – introduzido em 1750 por Baumgarten, Alexander Gottlieb (1714 – 1762) em um livro (Aesthetica),  significa propriamente “a doutrina do conhecimento sensível”. Kant, Immanuel (1724 – 1804), sobre o juízo estético, denomina “o juízo sobre a arte e sobre o belo”, onde afirma “a natureza é bela quando tem a aparência da arte), estabelecendo, assim, uma identidade entre o artístico e o belo. Hoje em dia o termo faz designação sobre qualquer analise ou especulação que tenha por objeto a arte ou o belo, sendo que atualmente esses dois termos se mesclam dentro da filosofia, sendo objeto de uma única investigação. Scheling, entretanto inverte a concepção Kantiana, fazendo da arte a norma da natureza.

Diferentemente dessa filosofia moderna (pós século XVIII), os antigos distinguiam os dois termos. Para eles a filosofia da arte era chamada de poética, a arte produtiva de imagens, não sendo incluído nesse conceito, o belo. Assim, para Platão o belo é a manifestação das ideias e a arte é a imitação das coisas do mundo sensível. Aristóteles, por sua vez, consigna que o belo é a ordem, a simetria, aquilo que pode ser contemplado pela visão, em todo o seu conjunto.

Grosso modo, essa breve, mas necessária, conceituação elementar da estética nos coloca a ponto de adentrarmos no tema fulcral que aqui nos traz, qual seja: o vinho!

Propomos que a atividade de ouvir uma boa música ou contemplar uma bela pintura pode ser equiparada à atividade de apreciar um vinho, sendo, portanto, estética.

Primeiramente, no que diz respeito aos sentidos, que serão aqui elencados como categorias, a apreciação do vinho utiliza a visão, o olfato, o paladar e o tato gustativo. De forma geral, as categorizações dos objetos apreciados esteticamente se colocam em três grandes grupos, o visual, como a dança e a arte plástica; a auditiva, na música; e a linguística, em poemas e romances. Observamos que o vinho não engloba necessariamente as categorias que, a priori, são elencadas no movimento estético de apreciação, pois o olfato, o paladar e o tato são, regra geral, excluídos.

O vinho denota contemplação. O ato contemplativo, portanto, é inerente à degustação do vinho. A exposição dos sentidos às infinitas combinações de cores, aromas e sabores que surgem e emergem do liquido são condicionadas à sua avaliação e interpretação intelectual. As memórias olfativas, gustativas e visuais tidas como experiências estéticas prévias possibilitam uma degustação rica no sentido de que muitos dos elementos percebidos no vinho são transformados em expressões descritivas que se tornam signos das impressões sensíveis. Entretanto, a prática de degustar um vinho, de forma técnica e deliberada envolve um ato, comumente, solitário, ainda que essa atividade esteja sendo realizada em grupo. Assim, submeter o vinho aos sentidos e sobre isso emitir um juízo é uma atividade intelectual solitária.

Por outro lado, o vinho propõe, especialmente, uma atividade social, gregária, quando da atividade de sua apreciação.  Ainda que a degustação, ou mera ingestão despretensiosa do vinho seja um ato personalíssimo, egoístico, portanto, nossa intenção aqui é considerar a pessoa, ou o grupo de pessoas que o percebe. Consideremos, então, o deslocamento da analise estético-filosófica do objeto para a pessoa ou grupo que o aprecia.

Para tanto, devemos considerar estético um objeto que não se apresenta, necessariamente, como uma obra de arte. O vinho, entretanto, a depender do enfoque, pode ser considerado como uma obra de arte. A natureza, por sua vez, não.

A elaboração de um vinho se inicia no trabalho agrícola junto à vinha. É o solo que determina qual a variedade de cepas será mais adequada a ele. O trabalho humano ao longo dos anos foi apresentar ao solo de sua região variadas cepas de vitis vinífera, (com exceção das autóctones, cujo trabalho de seleção foi natural e gradual), e observar qual delas entra em uma melhor relação simbiótica com aquele solo, considerando a maturidade sacárica e fenólica, resultando em excelentes frutos, que poderá resultar em excelentes vinhos.

Uma questão que devemos considerar é que a apreciação do vinho é uma “prática estética” tal como o confortante momento de apreciar uma música.

Mas, a apreciação de um vinho pode vir a ser ilustrada por duas formas distintas de vocabulários: aquele jargão descritivo dos técnicos em degustação, que se referem a ele como “equilibrado”, “acídulo”, “chato”, “tranquilo”, “franco” e o vocabulário filosófico descritivo da prática estética em si mesmo considerada.

Na pratica da degustação de vinhos um desafio que se impõe é a comunicação eficaz. Transmitir em linguagem as impressões que foram percebidas pelos sentidos ou registra-las de forma que se faça compreender exatamente a experiência da degustação é muito difícil.

Para tornar essa tarefa eficaz, lançamo-nos de “recursos”, que são experiências e conhecimentos prévios que trazemos à tona para a apreciação em uma prática estética. Utilizamo-nos de conceitos naturais para explicar como a experiência foi influenciada por apreciações anteriores. No caso dos vinhos, o conhecimento prévio de estilos, safras, cepas, diferentes regiões produtoras e distintos tempos de evolução e notas terciárias são alguns dos recursos utilizados para transmitir em linguagem – escrita ou falada – as impressões captadas pelos sentidos em uma degustação. A competência sensorial, aquela habilidade de distinção de aromas e sabores é desenvolvida com as experiências inseridas em contextos intersubjetivos reconhecidamente eficazes. Degustações às cegas, sequência correta de vinhos, taças adequadas ao estilo, temperatura de serviço corretos, ambiente adequadamente iluminado, moderação na ingestão do álcool são fatores que contribuem para uma degustação ou, no caso, uma pratica estética que gere conhecimentos objetivos com informações confiáveis, com vasto vocabulário, que podem vir a ser utilizadas como recursos para conceituar degustações futuras.

Essas práticas habituais de degustação formam vocabulário próprio para a eficaz transmissão das impressões captadas pelos sentidos. Em outras palavras, a capacidade de descrever odores e sabores é bastante restrita em pessoas inexperientes nesse tipo de apreciação.

Um degustador experiente desenvolve sistemas de classificação de palavras e as associa a determinados odores e sabores.

Além do conhecimento da sistematização do vocabulário que associe o mais corretamente possível a palavra à real impressão captada pelos sentidos, tambem importa imprimir a relevância estética dessas impressões. Melhor dizendo, é importante distinguir, em ordem de relevância dos aromas e sabores e como esses se correlacionam, com o objetivo de, ao final, construir um consenso acerca da interpretação do julgamento do objeto estético, no nosso caso, o vinho degustado. A construção desse consenso importa como: “é desta forma que você precisa ver isso também”. Um julgamento estético se difere de uma mera avaliação subjetiva, no sentido de que, nele, a avaliação se torna normativa, ou seja, se o objeto for apreciado e julgado de forma correta o outro terá as mesmas impressões que teve o primeiro apreciador, ou degustador no nosso caso. Por exemplo, a harmonia em um vinho será identificada por todos os que o degustarem.  Entretanto, o aspecto normativo de uma apreciação estética pode se mostrar equivocada, pois a experiência pessoal do degustador individual pode influenciar, e irá, sua avaliação e escolha de palavras que descrevam determinado elemento, como, por exemplo, um aroma ou sabor. Por esse motivo, a estética tradicional não considera a degustação de vinhos uma consideração válida.

Podemos considerar que essa consideração da estética tradicional não se mostra válida.

As condições práticas individuais de uma degustação, quais sejam, a linguagem que descrevem as percepções, os conhecimentos prévios que dão subsídios às apreciações e os procedimentos utilizados de forma a sistematizar as apreciações (aqui leia-se degustações) são intrínsecas ao indivíduo, mas somente porque ele já pertence a uma sociedade de degustadores experientes, como em círculos concêntricos. O que possibilita a degustação individual é a anterior degustação dessa comunidade de degustadores, que a valida, além de fornecer elementos norteadores específicos e técnicos de como conduzir e quais os limites essa degustação, isto é, ferramentas especificas para aquela degustação.

Desta forma, um recurso estético fundamental ocorre quando se é possível integrar uma relevante comunidade de degustadores, com práticas, vivencias e treinamentos com os mais experientes, que já traçaram alguns balizamentos normativos acerca dessa apreciação. Essa prática tradicional que ultrapassa o degustador individual, equilibra os resultados mais reveladores.

Por fim, a degustação de vinhos pode ser uma experiência estética, eivada de elementos que a torna possível, tais como: experiências anteriores com o mesmo teor, sistemas de classificação, vocabulário descritivo consolidado e o amparo de uma comunidade experiente que balize a degustação e delimite suas impressões, de forma precisa.  Visto dessa forma, ainda que a degustação seja uma pratica solitária onde se evoca experiências pessoais, as relações intersubjetivas correlatas se fazem presentes a cada momento. Isso faz o ato de degustar, ainda que individual na prática, seja sempre amparado por uma rede social de degustadores, fazendo o vinho ser, como sempre foi, uma bebida que une pessoas, seja em torno de uma mesa, seja no legado de conhecimentos passados de um para outro.

O vinho, afinal, é uma arte, bem como é uma arte aprecia-lo.


*Luís Gustavo Bassani

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